.senso de profundis.




"Ela tem mesmo gosto. Mau gosto, claro! Mas tem gosto."

.desassossego.




“O coração, se pudesse pensar, pararia.”
F. Pessoa (Livro do desassossego)


.e não há nada de mais genuíno que ser-se. coração. ter-se. não figurativamente. não objectivamente. eu tenho. tu tens. ouves o bater compassado em descompassos no peito. saltam lâminas ardentes que trespassam vistas embaciadas. vidros foscos. turvados pela razão em castrações do se. deve. foi. e na inocência de um gesto o olhar queda-se em nenhures. algures aí ou ali. em ti. em mim de reflexos no espelho por onde me esgueiro todas as manhãs. e fico. em olhares que vêem. figurativamente e subjectivamente. vêem. sem mentes e afins. adições de género e tempos gramaticais. há um desassossego na veracidade. e na sensibilidade. na inocência de se ser. íntegro.

.isto.

.apenas isto.


.odes do séc. XXI




.ultimamente cada vez mais tenho visto artigos e afins que são nada mais nada menos que odes da solidão, odes do solteirismo (se é que a palavra existe de todo). qual é a necessidade? confortar quem o é, por opção ou escolha? inevitavelmente aquele tipo de textos deixa-me com um travo amargo. honestamente a dita felicidade não passa por estar sozinho ou acompanhado. estar solteiro não é melhor que estar compromissado (outra que lexicamente não deve existir). estar com alguém, em compromisso ou não, não é necessariamente melhor que estar solteiro. desde sempre ouvi dizer-se - banalidades do senso-comum - que o equilíbrio é sempre a melhor opção. equilíbrio não é o assim assim, o mais ou menos ou nem sequer o mediano. é bom estar sozinho. é bom ter alguém. e é isto. uma sem sufocar a outra. o outro sem sufocar isto. ou aquilo. no meu tempo (frase tão bonita) não se afundavam em temas destes, sabia-se que existiam solteiros novos, velhos e assim assim, pessoas solitárias, pessoas populares sempre rodeadas de amigos. e pessoas dentre todas essas que punham fim à sua vida. e sabia-se que a tristeza de uns não era homogénea com a de outros. e que as alegrias dos outros nem sempre eram as nossas. e que a vida se fazia. sem chafurdar na vida de cada um. e a vida fazia-se de uma forma equilibrada, sem necessidade de apologismos ou odes ou de gritar aos sete céus que isto é melhor que aquilo. e sabia-se no entanto o certo. o errado. e fazia-se (ou tentava-se) o certo. com os outros. para os outros. connosco próprios. sozinho. com um amigo. dois três. acompanhado. com um dois três. e não eram eleitos nem odes disto daquilo daqueloutro. apenas era. assim. era-se. e aceitava-se. neste século XXI assiste-se a autênticos spams de odes. o século da ode. é este. e agora vou ali beber um chocolate quente enrolada na manta com um livro ao colo em frente à lareira com chet baker de fundo. e digo-o só porque parece bem, é coisa de gente erudita e que muitos também elevam a ode. e grito aos sete céus. assim em jeito de confissão. escrevo isto sozinha. há pouco falei com y. há umas horas fui beber café com X. e agora quero estar apenas comigo. mas também estive contigo. e pensei em estar com ele. mas amanhã. amanhã também é dia. agora vou. no silêncio das palavras. de instrumentais a aquecer a sala. saborear a noite. sem odes. nem pílulas do esquecimento. nem aditivos. amanhã será igual. com. sem. porque o que mais importa é o equilíbrio.

.do amor.


photo daqui


.há livros que quero ter comigo. saber que estão lá. cá. não necessariamente comigo mas comigo. por perto. assim uma espécie de relação de profunda amizade. quase amuleto. quase amor. os que tenho. esses poucos especiais. irão para onde for. os que não tenho. ainda. quero ter. vou pedir ao Pai Natal. vou pedir a mim mesma. destes destaco Anjo Mudo do Al Berto, IQ84 do Haruki Murakami, Do Mal o Menos do Pedro Paixão. Fui deixá-lo hoje à biblioteca. despedi-me com um até já. custou-me. despedir-me. e já lá está o Anjo Mudo esquecido à espera que o vá buscar para um café. noite dentro. tardes ao pôr-do-sol. estes são os amigos distantes. mas amigos. como amuletos. e esta ligação à palavra morta de uns. questiono-me. apego. de quem apregoa desapego. mas este último é quase utopia. não existe por inteiro. e assim sendo. sussurro orgulhosamente: há livros que me são. autores que me são. são parte de mim. e quero-os comigo. vá para onde for. ou não vá. e Lobo Antunes, Babilónia. e Pessoa, a Tabacaria. e Jim Morrison, Daqui Ninguém Sai Vivo. e Exupéry, o Princepezinho. há livros que tenho comigo. há livros que quero ter comigo. não necessariamente comigo mas comigo. não quases. mas parte de. mim. 

.sorri...

...quando um desconhecido passa por nós, nos olha com encantamento, sorri, cumprimenta. e segue. sendo esta última parte importante. a não intenção. não invasão. apenas a simpatia. a empatia. porque algo o fez sorrir. porque algo... sorri. e afinal ainda vale a pena acreditar. na humanidade. nem tudo está perdido. nem tudo. mas tirando tudo o resto. o mundo até é um lugar porreiro.

.revisitações.




"Há pessoas que, ainda que pretendam ocultá-lo, perseguem um fim distinto das outras. A sua atitude perante a vida denuncia-os." 
L. Tolstoi

.silêncios.


.a luz alaranjada. é noite. fim de tarde de inverno. naquela escola de Seia lembro-me de nós. não me recordo dos traços do teu rosto. já não. e queria. queria tanto. eras mais alto que eu. magro. pálido. lembro as ligaduras nas mãos. e o sorriso. desfocado. o amor com que falavas da Inês. da pequena Inês. sempre achei que era por isso que me eras mais próximo. ou talvez não. mas eras. e o cimento na noite iluminado pelos candeeiros luz laranja naquela noite fria na serra são intemporais. a conversa. tu sem razões para viver. dizias. ou a única razão. morrer. eu sem entender. a tentar resgatar-te. nessa noite. o abismo. mas voltámos. um dia. manhã. faltaste. entreolhamo-nos com preocupação. esperámos. te. desde esse dia. manhã. não voltaste a te sentar ao meu lado. a palidez eternizou-se noutros tons. tu deitado. finalmente em paz como querias. será que era isso que querias? nunca entendi. não te entendi. nunca esqueci. não te esqueci. não voltei a entrar num cemitério. nem em funerais. não voltei a ouvir a terra a cair. o som compacto da terra. e os soluços de morte. da ausência. mas era nova. tão novos éramos. e tantos anos faltavam. assim quero crer. à distância de 20 anos. abraço-te uma última vez. outra vez.
Até sempre Marcos.

.conversas.

(para ler a duas vozes, com falsete se faz favor)

Estás bem?
Sim
Pensei...
Pensaste
Sim, que mudaste
Sou a mesma
Não te conheço
As linhas mudaram
Sem elas não sei o rumo
Estou aqui
Não te sinto
Vai-te embora
Quero ficar
Fica
Quero que voltes
Não
Volta
Não
Olha para mim
Sim
Sentes?
Sim
Então volta
Estou aqui
Quero-te
Também te quero
Gostas de mim?
Vai-te embora
Responde
Sai daqui
Vem
Não digas mais nada
Não
Estás bem?
Sim
Pensei...
Pensaste
Sim, mudaste-me
Vem
Vou
Ficas?
Sim

.voltei a reler isto escrito aqui há quatro anos de distância. é estranho reler 'coisas' nossas e no meio dessas 'coisas' noutras tantas não as reconhecermos como nossas. não é o caso desta. coisa. mas de outras. lembra-me uma frase de Pedro Paixão que me voltou a acompanhar nos últimos dias. dita assim "Ele precisava tanto de escrever como de apagar o que escrevia.". mas não apaga. não apago. e escrevo 'coisas'. vou escrevendo como débitos a cair qual gotas de chuva. e hoje choveu bastante. novamente a chuva. e o frio. aqui escritos. anotados como quem debita. sem debitar. frases de café e elevadores que sobem. quando descem não se conversa. tem-se pressa. sempre a pressa. de ir.

.da quantificação.




.temos o hábito de "tempificar" tudo. na verdade. tudo se resume ao tempo. minutos, horas, anos, meses. e esse ser tão autónomo e controlador manipula rotinas. esse conceito criado algures no.... tempo. subjectivo. objectivo. abstracto. relativo. quantas vezes achamos que um momento foi demasiado longo. quantas vezes achamos que um momento foi demasiado curto. quase eternidade. quase efémero. um tudo ou nada. na verdade é um conceito. na verdade quantifica-se. segundos. pareceu um segundo. mas quantifica-se em dias. pareceu uma eternidade. aqueles minutos, segundos. como se o tempo tivesse parado. tic tac. o tempo não existe. mas existe. nos ponteiros dos relógios. nos números dos analógicos. no calendário. nos horários a cumprir. nas rotinas. mas não existe. numa qualquer realidade paralela que não o é. não existe. 5 anos é tanto. e tão pouco. para uma vida. um minuto é tão pouco (fumar um cigarro leva entre 3 a 5 minutos) e tanto (quando se espera pela hora de saída, quando se recebe más noticias mas não as más mesmo beras, que nessas o relógio pára). pára. o tempo não existe. conceito criado pela sociedade moderna que por ele se rege. e com a conceptualização deste vieram outros. e a banalização. de quase tudo. tudo. nada. mas quase. e depois de escrever estas balelas pareceu-me (mas só me pareceu) que passou um minuto. mas não. um cigarro extinguir-se-ia muito mais depressa. mas só porque me apetece vou tempificar conceptualmente o conceito abstracto da coisa em si. mas não digo. porque o tempo não é nada. quase. nada.

.do tempo.

.e de repente as noites são maiores. lá fora. em contraste com o que sinto. mais cinzento. e chuva. e frio. novamente o frio. e o sol tímido que se esconde. é escondido. e volto às mantas. e chocolates. bandas sonoras embalam espaços. a teimarem fazer da noite dia. mas como a noite já caiu. o som dos carros lá fora no piso molhado entra pelas frestas das persianas semi-cerradas. como a paz que vem silenciosa monocordicamente. embala.


.dos silêncios.

"Não sei a cor dos teus olhos, o som da tua voz, o toque da tua pele. Não conheço a tua idade, o lugar onde vives, de que te alimentas. Não posso adivinhar quem amas ou amaste, se sofres de alguma irrecuperável doença, quais as paisagens que preferes, que música ouves. Sei que espero todos os dias uma ou duas frases que me permitam continuar a respirar neste mundo."

Pedro Paixão

ponto vezes três


chove. demasiado. e o céu esta cinzento. demasiado cinzento. há nevoeiro. os dióspiros estão maduros. e apetece-me gelado. os chapéus de chuva pesam. incomodam. e atrapalham as gentes. desorientadas. parecem formigas. e chove demasiado não sei se já disse. mas chove. e o ceu está cinzento. e o vento. o vento demasiado. e parou de chover. e os sorrisos. acabou. o gelado. mas os dióspiros estão maduros. cheira a castanhas. e a São Martinho. e a um natal que chega demasiado cedo. demasiado. e tantas são as gentes. que correm. não há tempo. mas chove. e chove demasiado. não sei se já disse. 

.as conversas dos outros.


- Ora essa, não tenho nada que ir arranjar o cabelo! Ele tem que gostar de mim como eu sou e eu como ele é.

- acendes uma vela branca na entrada e abres a porta de casa, as más influências vão todas embora.

.dos pequenos prazeres.


.revisitações.

"É urgente elevar a pessoa à posição do espanto. É daí que se abre o mundo. Qualquer coisa possui em si o mistério de tudo e a nossa distância vai daqui para ali, e volta. Há uma frase por escrever da qual esqueci as palavras e a gramática. Uma frase que junte coisas separadas, as nuvens e as suas sombras, animais fabulosos a sensíveis plantas, breves recados a fatais desenlaces. Uma frase é um laço apertado por um verbo. Eu conjugo verbos como quem se encontra diante de um precipício. É a morte por todo o lado espelhada que me faz escrever a frase. Entretanto deparo diante de mim com uma parede falsa. Os meus olhos escondem tudo o que descobrem por detrás dela. Uma parede não basta para fazer uma casa. Uma casa é uma concha. Uma concha é uma casa. Uma concha abre-se como uma porta. Uma porta que conduz de uma prisão a outra. Há uma prisão inexpugnável. Eu nunca serei tu. Deve ser esta a frase que pedia para ser escrita aguardando pacientemente. Mas quem saberá a verdade se o que nos aproxima é o que nos mantém afastados? Em primeiro lugar o geométrico espaço, em segundo o tempo que nunca se atrasa. É assim, sempre assim. Prosseguimos de segredo em segredo as mãos atadas à cabeça. Foi sempre assim estar aqui, nesta existência extrema."

Pedro Paixão

.imagem do dia.


.a propósito de

.um anúncio para a Associação de Paralisia Cerebral. 
Há uns anos. onze. estive por lá. uma vez. os "meninos" (como lhes chamavam apesar de grande maioria ter acima dos 20 anos) tinham aulas/terapia de natação nas instalações da Associação. Como estagiária de Psicologia Clínica e no âmbito do projecto de estágio que fiz na Associação Portuguesa de Autismo, lá me concederam acompanhá-los em algumas actividades. terapia pela música e pela água. autismo. acompanhamento individual integrado no grupo. utopias psicanalíticas não possíveis numa associação behaviorista. mudei depois. de estágio. mas... enquanto lá estive. estive aqui. e lembro os corredores. os sorrisos abertos e brilho no olhar. e a força de viver. o coração apertado. o meu. 
hoje penso. se fosse hoje. prós e contras. se teria o que era necessário. duvidar. hesitar. a diferença à luz de mais de dez anos passados. pré-concepções demasiadas. sobre o eu. infundadas. são porque foram. e prometo a mim mesma que vou parar. de duvidar. de boicotar. me. dez anos de experiências. sei mais. e sei menos. e por vezes esqueço que o que importa é ir. sempre. ir.

.moments.




"o meu filho é a pessoa que mais admiro no Mundo."

.frase que ouvi hoje algures. e que é uma das. senão as mais belas palavras que possam jamais ser ditas. da forma como foram ditas. nada compra o Amor. o verdadeiro. e igualmente se poderia dizer "a minha mãe é a pessoa que mais admiro no Mundo. e a mais bela." e é isto. 

.o teu abraço.

(photo daqui)



"(...) Porque o teu abraço era uma espécie de morada, onde acalmava a alma, reforçava as paredes do meu corpo, libertava o meu coração e dava sentido a essas coisas da emoção.

Não que eu te amasse, até porque até hoje eu não sei se te amei ou amo, mas que o teu abraço hoje é uma espécie de saudade. Em que te ver – tipo, agora – seria apenas, um abraço com algum sintoma do que falei nas linhas acima."
(Jonas Sakamoto)

.néctar.



.o imaginário das horas conta os dias. em chávenas de café consumido inadvertidamente em por(es) do sol aquecem os sentidos. adormecidos. atordoados em cliques e tic tacs que vão e vêm. dias de inevitável desorganização arruma memórias. cadeias de amorfas rupturas e paletas de arco íris esquecidos. companhias de mesas de café em cafés sorvidos calmamente ao sol por entremeio de chuvas frias (geladas fora de tempo) vêm de mansinho em abraços de distração. e o fumo díspar da cinza que cai formula questões suspensas no tempo.

.silêncio(s).


.apenas isto. e silêncio que não existe. a noite que ainda agora começou. aqui. já vai longa. demais. ali. e o silêncio. esse vive na obscuridade. na claridade dos dias. mas não é. ausência de som.

*2121*



.tenho que voltar a isto. enquanto inacabado não é. é um quase. e quases não são. porque as gavetas gritam por projectos acabados. os quase não pertencem a. vagueiam. tenho de voltar a isto. acabar. e ficar em paz. até ao próximo.

.taekwondo e o DO (caminho).


1°combate em 2009 (e o sabor da vitória)

.outro dia voltei a rever as medalhas do taekwondo. já não me lembrava delas. nem do que verdadeiramente significaram para mim. mais do que ganhar. mais do que o reconhecimento. e os aplausos. os sorrisos. e o êxtase. mais do que tudo isso. mais que o metal que as compõe. sim a perseverança. sim o reconhecimento de mim mesma. em mim. sim o ultrapassar os meus próprios obstáculos. criados por mim. sim o saber que no início quando não domino a matéria me sinto frustrada irritada e que isso me faz tentar e tentar após o erro tentar. mesmo sem erro. avançar. mesmo com insatisfação. e arriscar. insistir. e insistir. mesmo quando a "matéria" já está assim-assim não baixar os bracos. nunca baixar a guarda - dizia-me o meu instrutor - nunca baixar a guarda. e sorria. ele. e eu. ambos sabíamos que ambos sabíamos. nunca baixar a guarda. na vida. e no dodjo. mas na vida. 

.o taekwondo ensinou-me mais sobre mim do que propriamente sobre si mesmo. o taekwondo é mais. muito mais. do que os torneios. os chutes. os pomnses. mais que. é. um modo de vida. uma escala de valores. que existem previamente mas que vão-se apurando mais e mais. cortesia. lealdade. respeito aos inferiores e superiores. perseverança. honra. integridade. auto-controlo. é isto que nos ensina. que nos relembra. dentro e fora do dodjo. e sempre de cabeça erguida após perder alguma batalha. interna ou não. nada se perde. nada. tudo é aprendizagem. todos os ensinamentos e experiências acrescentam-nos um pouco mais. perseverar. sempre. respeitar. sempre. superarmos-nos  e desafiarmos-nos a sermos melhores hoje do que ontem. sempre. aceitar as fragilidades. reconhecê-las. insistir. lutar. sonhar. projectar. mesmo no limite das nossas forças. firmeza. confiança. elevar a guarda. olhar em frente. seguir. e fazer o melhor. sempre fazer o melhor. que somos capazes. ajudar cooperar quando outros não conseguem seguir. ou quando achem que não conseguem. não dar a mao. não carregar as costas. ficar. incentivar. levantar e acompanhar. acompanhar lado a lado. não a frente. não atrás. ao lado. mais que seguidores o mundo precisa de lideres sensatos humildes respeitadores fortes firmes. que caminhem lado a lado. 

.e o taekwondo foi pai. e com ele aprendi a reconhecer a minha resistência ao novo e ao desconhecido por não dominar. e enquanto não dominar, não tiver o conhecimento, a frustração que me faz perserverar e evoluir. ultrapassar os obstáculos que me imponho. e ter coragem. seguir. sem medo. ou com ele. seguir de cabeça erguida e guarda alta. e lembrou-me que sou capaz. de mais. muito mais. e por momentos. acreditei.

d(h)umor

"Nunca se pode concordar em rastejar,
 quando se sente o ímpeto de voar" 
Helen Keller



...


.about dreams.




.esta bem podia ser uma das frames do sonho da noite passada. afinal existe. algures no mundo. árvores idílicas assim. e é nestas alturas que me permito questionar. qual o limite do real e do imaginário? e se o real for o sonho e o que acreditamos ser real não passar de um sonho. reverter o real. virar do avesso as teorias e crenças em que assentam os nossos conceitos. ou apenas permitirmo-nos delirar uns minutos. como quem... isso. mas a loucura ou insanidade ainda não bateu à porta. há demasiada consciência. e demasiadas dúvidas. e certezas. como dizia o meu professor de Dinâmica de Grupo: "imaginem que a loucura é uma linha que vocês desenharam. ali. a três passos. e vão avançando. um. dois. e eis que a pisam. estou agora a pisá-la. afinal ainda não é aqui que é a loucura. mas sim um pouco mais a frente." e é isso. quando queremos não lá chegamos. e talvez precise de dormir. um pouco mais. na esperança de guardar mais frames do filme que é projectado enquanto durmo. mas esta bem podia ser. Washington DC. um dia. talvez.

.don't forget.

(e aqui deveria estar uma fotografia. e está)


there is always somebody or something
waiting for you,
something stronger, more intelligent,
more evil, more kind, more durable,
something bigger, something better,
something worse, something with
eyes like the tiger, jaws like the shark,
something crazier than crazy,
saner than sane,
there is always something or somebody
waiting for you
as you put on your shoes
or as you sleep
or as you empty a garbage can
or pet your cat
or brush your teeth
or celebrate a holiday
there is always somebody or something
waiting for you.

keep this fully in mind
so that when it happens
you will be as ready as possible.

meanwhile, a good day to
you
if you are still there.
I think that I am---
I just burnt my fingers on
this
cigarette."

 Charles Bukowski

.loop.s.


.o Leonard era cá de casa. muito. juntamente com outros que me habituei a ouvir. não que os escolhesse. ainda assim. escolhidos. crescemos juntos. Leonard em vinyl. ainda por cá anda. e há tanto que não o ouvia. até este "popular problems". pergunto-me se será o último. abraço. mas ele há coisas imortais.

.:: Kafka revisitado ::.



"Sempre com mais medo ao escrever. É incompreensível. Cada palavra torcida nas mãos dos espíritos – este torcer de mãos é o seu gesto característico – torna-se numa lança que se volta contra o orador. Muito especialmente uma observação como esta. E assim «ad infinitum». A única consolação seria: acontece quer gostes quer não. E o que gostas não serve de nada. Mais do que consolação: também tu tens armas."
F. Kafka in Diários

(nota de autor: por preguiça não me apeteceu pegar no telemóvel e tirar uma genuína fotografia de autor do livro que me tem acompanhado nestes dias. de chuva. com cheiro a outono. de fins de dia enroscada no sofá de chávena de chá entre mãos e livro ao colo. por preguiça fica só comigo. porque a capa na verdade pouco importa.)

.simple.things.


.perante algo que eventualmente nos possa incomodar. vento. as folhas que dançam à nossa volta. e dançam. e o vento. que incomoda. e de repente. uma criança ao longe. aproxima-se.corre. gargalhadas. e o vento. e sem saber ensina. coisas grandes em coisas ttão pequenas. sem serem coisas. mas digo coisas. assim como quem tem preguiça de enunciar algo maior. mais erudito. porque não é necessário. deixa de o ser. quando percebes. e te apercebes. que sorris. e o vento deixou de incomodar. e tens vontade de te levantar e correr com ela atrás das folhas que dançam ao vento. e sorris. percebes. tranquilamente. que a vida é para ser assim. leve. por entre gargalhadas. como o vento que te deixa de incomodar.

.dedicatória.

Look into my eyes
It's the only way you'll know I'm telling the truth




.desde 2006. a declaração que não entendi. o esperar à porta. todos os dias. às vezes sem apareceres. ficavas no carro. vias-me passar e isso bastava-te. confessaste depois. mas naquele dia que já não recordo a cor nem os números que o compõem. dois. éramos nós. isto. semanas seguidas todos os dias. isto. e tu. sempre. e agora sei que. sei amor. obrigado M.

...


.as conversas dos outros.

- mas eu achava que era uma velhinha, mãe. Ele tem o cabelo comprido!
- filha, os homens podem ter o cabelo comprido, as mulheres podem ter o cabelo curto também. E os homens se quiserem também podem usar saia. Não há mal nenhum nisso.

A filha olha para a saia rodada do seu próprio vestido, encolhe os ombros chateada,  mira o pai mais à frente - de cabelo curto e calções - nada mais diz.

A mãe volta atrás, pega-lhe na mão, seguem o caminho em silêncio.

.a(contra)gosto.

.detesto agosto. assim com letra pequenina. não merece grande destaque. sempre detestei agosto. a contra gosto. o tempo de muito tempo. demasiado. a abundância. demasiada. de sol. pessoas. e escassez. tanta. de serviços de tudo. na verdade a escassez abundante ou abundância escassa. seria assim que definiria agosto. a contra gosto. corre o tempo sem correr. em passo lento. atulhado de silly tarefas. pessoas. sol. e sol. e paragens. e finalmente está a chegar ao fim. venha setembro. e o reinício. da vida adormecida a contra gosto. onde uma brisa fresca me acaricia. os sentidos. e a alma. sempre detestei agosto. há coisas que não mudam. algumas. o gosto.


.a vida.é (tão) volátil.


.isso. a vida é tão mas tão volátil. penso. o que é perdão. pedirem que perdoemos quem abandonou. quem negligenciou. porque. apenas porque. como diz o povo. é pai. ou mãe. ou irmão ou tio ou primo ou outro elo de ligação que tal. perdoar. o que é perdoar. perdão implica querermos voltar. estar com. voltar a privar com. não. não implica. perdoar é sentires a paz de aquela pessoa existir em ti. de ter existido na tua vida. dela fazer parte. sem revolta. sem dor. sem ressentimento. ponto. apenas isso. a vida é tão volátil. e também o é o gaz. butano e outros. e o perdão é gaz. volátil. como a vida. e como nós. que estamos somos agora. hoje e não amanhã. e perdoo. perdoei. mas tenho dúvidas. ouvi. quem é pai é sempre pai. e pergunto. quem é pai é quem cria ou quem dá a vida?. o que é ser pai. e mãe. damos a vida e não estamos. não somos. deram-me um papel dizem. és rainha. e foste sem sê-lo. mas ensaiaste nas primeiras sessões. estiveste lá. nos bastidores. e és. foste e sempre serás rainha. não. não és. foste o que alguém definiu que fosses. não desempenhaste o papel. e se não desempenhaste o papel. não és. e ponto final. definido. fácil assim. ou talvez não. pois. não. para a maioria não. e é isso. para mim não. sim é ser. não ter. recebo e tenho. não sou. talvez tenha sido. ou não. tentei. decorar as linhas do guião. e dei o meu melhor. mas a plateia. o público. o mis en cene não foi cene. apenas ensaio. mas tentei. sabes que tentei. dar o melhor. mas sei. também sei (e por isso não me perdoas) que não fui o melhor. não fui capaz. mas agora que a vida me falha quero saber-te aí. afinal sou. o papel que me atribuíram e que não soube desempenhar. mas tentei. tu sabes. não consegui. também sabes. e a vida é tao volátil. não estive. mas agora quero estar. sei que sabes. também sei que não queres. que me guardas dor. e ressentimento. mas perdoas as falhas. de ontem. sabes que não era capaz. tentei. não fui capaz. queria remediar tudo como quem passa betadine na ferida. aquelas que fazias em pequena quando tropecavas em tudo quanto era pedra. e por fugires dos cães. tinhas medo. deles. e dos outros. e de mim. porque não te protegi. nem te passei a mão pela cabeça. nem fui capaz de te afagar os lençóis e afugentar os monstros do armário. e os debaixo da cama. e de te dar um beijinho de boa noite. de te abraçar e dizer que estava tudo bem quando tinhas medo do escuro. e de mim. mas tentei. ser melhor. falhei. sei que sabes. e por isso perdoas. mas dói-te na alma. não ter sido capaz. de desempenhar o papel que me deram e que o público não chegou a aplaudir. sei que sabes. mas a vida é tão volátil. e frágil. e resta-me pouco tempo. mas sei que sabes. e também sei que não te posso exigir que estejas. e que alguns estão. e dizem outros que isso é grandeza de alma. e tu és. grande na tua pequenez. e não te interessam os outros. o que pensam. nem eu. mas gostava que estivesses. mas não peço. não estive. sei que sabes. de tudo. e a vida é tão volátil. e agora sou o que quis ser e temi não saber. por não ter desempenhado o papel. sabes. aquele que me deram e que o público não chegou a aplaudir. nem tu. e somos voláteis. os dois. e todos nós. e a vida. e a dor. e a mágoa. e tudo. mas tudo. sei eu agora. que antes nunca soube. que o que importava era o estar. e o ser. não os aplausos. nem os sorrisos de desconhecidos. nem. isso. tu sabes. a vida é tão volátil. e eu. nós. voláteis. somos.

Luto pela felicidade dos portugueses




A «Aurea mediocritas» que cantava Horácio era a doce e suave mediania entre as emoções, um equilíbrio quase bucólico na vida a ter e nos negócios a ter na vida. Não, Horácio, romano educado, não era adepto dos desportos radicais. 
Equilíbrio entre o quê? Distorcendo Horácio, a dois mil anos de distância, podemos dizer, talvez, equilíbrio entre o sonho e a realidade. A felicidade não pode ser só o que há, senão apodrecemos, mas também não pode ser só o que desejamos, senão ficamos com uma neurose de tanto ansiar pelo que há-de vir. 

O resto é com cada qual. Alguns gostam da felicidade bovina de não pensar muito, outros gostam de estar sozinhos no deserto, outros ficam felizes com a desgraça alheia. Estes três exemplos são, cá para mim, desgraçados, mas o que sei eu dos outros? É por não saber nada dos outros que escrevo histórias sobre os outros. Para aprender. Haverá outra razão para fazer as coisas? 

Felicidade é, pois, como o Natal - é quando um homem quiser. Nunca me canso de fazer versões sobre este mote do grande Paulo de Carvalho. Hei-de levar isto para a cova e se não me ocorrer mais nada (pode acontecer) esta será a minha última frase. E depois do adeus logo se verá. 

Rui Zink

porquê?!



Porque é que os miúdos regra geral correm atrás das pombas e as afugentam num espectáculo de gritos e pontapés no ar?! Ninguém lhes disse que isso não se faz? talvez. mas secalhar não os pais. quem os deveria educar. quando vejo o que vi há dias não sei se hei-de me levantar e agarrar nas mãozinhas dos pequenos e leva-los aos papás ou levantar-me e desancar moralidades nos ditos progenitores que certamente andam distraídos (entenda-se ocupados). mas apenas olhei para os miúdos e percebi. apesar da tenra idade sabem (ou ficaram a saber) que secalhar. mas só secalhar. aquilo apesar de ser giro e divertido talvez. mas só talvez. não seja coisa muito boa para os crescidos. alguns. por isso vamos mas é ter com os papás que estes crescidos não devem gostar de brincar. ponto. final. parágrafo. fim.

.des.CARTA.vel.




Na sala de reunião de uma multinacional o director nervoso fala com sua equipa de gestores.
Agita as mãos, mostra gráficos e, olhando nos olhos de cada um ameaça: "ninguém é insubstituível" .
A frase parece ecoar nas paredes da sala de reunião em meio ao silêncio.
Os gestores entre olham-se, alguns abaixam a cabeça.
Ninguém ousa falar nada.
De repente um braço se levanta e o director se prepara para triturar o atrevido:

- Alguma pergunta?
- Tenho sim.
- E Beethoven ?
- Como? - o encara o director confuso.
- O senhor disse que ninguém é insubstituível e quem substituiu Beethoven?

Silêncio.....

O funcionário fala então:

- Ouvi essa história esses dias contada por um profissional que conheço e achei muito pertinente falar sobre isso.
Afinal as empresas falam em descobrir talentos, reter talentos, mas, no fundo continuam a achar que os profissionais são peças dentro da organização e que, quando sai um, é só encontrar outro para por no lugar.
Quem substituiu Beethoven? Tom Jobim? Ayrton Senna? Ghandi? Frank Sinatra? Garrincha? Santos Dumont? Monteiro Lobato? Elvis Presley? Os Beatles? Jorge Amado? Pelé? Paul Newman? Tiger Woods? Albert Einstein? Picasso? Zico? etc...
Todos esses talentos marcaram a história fazendo o que gostam e o que sabem fazer bem, ou seja, fizeram seu talento brilhar. E, portanto, são sim insubstituíveis.
Cada ser humano tem sua contribuição a dar e seu talento direccionado para alguma coisa.
Está na hora dos líderes das organizações reverem seus conceitos e começarem a pensar em como desenvolver o talento da sua equipa focando no brilho dos seus pontos fortes e não utilizando energia em reparar seus 'erros/deficiências'.
Ninguém se lembra e nem quer saber se Beethoven era surdo, se Picasso era instável, Caymmi preguiçoso, Kennedy egocêntrico, Elvis paranóico...
O que queremos é sentir o prazer produzido pelas sinfonias, obras de arte, discursos memoráveis e melodias inesquecíveis, resultado dos seus talentos.
Cabe aos líderes de sua organização mudar o olhar sobre a equipa e voltar os seus esforços em descobrir os pontos fortes de cada membro. Fazer brilhar o talento de cada um em prol do sucesso de seu projecto.
Se o seu gerente/coordenador, ainda está focado em 'melhorar as fraquezas' da sua equipa corre o risco de ser aquele tipo de líder/ técnico, que barraria Garrincha por ter as pernas tortas, Albert Einstein por ter notas baixas na escola, Beethoven por ser surdo. E na gestão dele o mundo teria perdido todos esses talentos.
Seguindo este raciocínio, caso pudessem mudar o curso natural, os rios seriam rectos não haveriam montanhas, nem lagoas nem cavernas, nem homens nem mulheres, nem sexo, nem chefes nem subordinados... apenas peças.
Nunca me esqueço de quando o Zacarias dos Trapalhões foi para 'outras moradas'.
Ao iniciar o programa seguinte, o Dedé entrou em cena e falou mais ou menos assim: "Estamos todos muito tristes com a 'partida' do nosso irmão Zacarias... e hoje, para substituí-lo, chamamos:... . Ninguém ... pois nosso Zaca é insubstituível"
Portanto nunca se esqueça: Você é um talento único... com toda certeza ninguém te substituirá!

"Sou um só, mas ainda assim sou um. Não posso fazer tudo..., mas posso fazer alguma coisa. Por não poder fazer tudo, não me recusarei a fazer o pouco que posso."

"No mundo sempre existirão pessoas que vão te amar pelo que você é..., e outras..., que vão te odiar pelo mesmo motivo..., acostume-se a isso..., com muita paz de espírito..."



P.S. Email que recebi da chefia em 2011. Um bem haja a A. por ter conseguido emocionar-me com a mensagem enviada e relembrado que era peça essencial na equipa.

...

(...) mas gosto da noite e do riso de cinzas. gosto do
deserto, e do acaso da vida. gosto dos enganos, da sorte e
dos encontros inesperados.
pernoito quase sempre no lado sagrado do meu cora-
ção, ou onde o medo tem a precaridade doutro corpo.

Al-Berto
Horto de Incêndio



.just.this.


.faz-me falta. rodear-me de verde. direccionar o olhar. cada vez mais. centrar. descentrar-me. dos subúrbios. do cinzento da cidade. encontrar. me. de novo. todos os dias. um novo. dia. de novo. olhar. sentir. perder para encontrar. ficar. aqui.

.timming.

"E se não quisermos, não pudermos, não soubermos, com palavras, nos dizer um pouco um para o outro, senta ao meu lado assim mesmo. Deixa os nossos olhos se encontrarem vez ou outra até nascer aquele sorriso bom que acontece quando a vida da gente se sente olhada com amor. Senta apenas ao meu lado e deixa o meu silêncio conversar com o seu. Às vezes, a gente nem precisa mesmo de palavras.” - Ana Jácomo

.porque tudo na vida tem um timming. e nem sempre o timming de A é o timming de B. e daí posso (porque me apetece arranjar justificações) depreender que justifica grande parte dos desencontros. e dos encontros também. acho que antes não me preocupava com desencontros, embora os houvesse. sempre há. faz parte da vida como o acto de respirar. não direi que agora me preocupe mais. apenas penso mais. acho. sobre isso. e sobre tantas outras coisas. questiono-me mais. analiso mais. até o acto de respirar. inconsciente. espontâneo. trazido a luz racionalmente. e no entanto sou mais emocional. demasiado emocional. mais. que ontem. e racional. mais. que anteontem. e na dicotomia destas duas constatações. vou beber um trago de madrugada.

hands up - i love you

and nothing stays the same
and no one said it would
i would not think of such things if i could

...

.quando ouço os comboios ao longe. chove ou vai chover. nunca percebi a relação entre. som. condições climatéricas. deverá ter uma explicação qualquer. que não me interessa. hoje. tinha saudades. de serões na companhia deles. da chuva. do cheiro. da terra. o inóspito que embala no silêncio. da noite. ouço os comboios. ao longe. chove. tinha saudades. das noites. não da chuva. talvez da chuva. dos sons que preenchem espaços. a lembrar o outono. estacão. como a por onde ele passa. rumo ao destino. sem nada que o impeça de avançar. chegar. atracar. não atracar. como os barcos. estacionar. mas chegar. lá. onde o esperam. e tinha saudades. da noite. 

.quite emocional.


We're slow raised by the break of day
You are now entirely mine again
Still I hold you in my arms
There is not much to talk about anyway

(i don't believe you now)




.pessoas que cruzaram a nossa vida. cresceram em nós. acreditamos que fizemos parte. eles parte. nós. depois. depois um branco nos traços que tentamos (em vão resgatar). tal como a confiança. há perdão sem resgate de confiança. não há dizem alguns. talvez haja. há. perdoar para seguir. não querer voltar. seguir.sem aquele que nos foi tanto. e tanta foi a ilusão. raros são os que conheci que se enquadram aqui. mas existem. resgatar confiança é coisa possível. se não falharem à primeira tentativa de regresso. falhou. e as águas passadas mataram a vida que existia ainda. e penso que há pessoas especiais. essas sempre continuarão a sê-lo. mas ao longe. algumas. quando a proximidade demasiada nos causa vertigens. e tombamos. coisas da audição. tensões baixas em tensões demasiado altas. por prescrição médica. seguimos. com o que foi mas não é. já não. pessoas que cruzaram a nossa vida. cresceram em nós. depois. depois um branco. como um manto que nos cobre e protege do frio. perdoar para seguir.

.dos poemas.da vida.



(e aqui era suposto estar uma fotografia. e está)



Para ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida.

Mia Couto

.espera.

.a espera é uma espécie de morte lenta. um corpo que vegeta. à espera. que desliguem a máquina que o sustém. suspenso. no tempo. sem tempo. à espera. esperas?

A.L.A. (não psiquiátrica)



.há uns dias senti vontade. quase necessidade de voltar a ler Lobo Antunes. saudades. uma afinidade à escrita. dele. a falta das palavras. da desordem caótica que preenche o caos. estrutura. ou re-estrutura. releio este depois de uns tempos (1 ano?) sem ele. revisito-o agora. e assim que o voltei a sentir nas minhas mãos. um conforto como o dos grandes amores que não se esquecem. releio. o. agora. neste mês em que mais um ano se junta à minha contagem. decrescente. crescente. como nos aprovier. assim. neste mês que completa mais um ciclo. neste ano. que completa. ciclo. reciclo. me. e Antunes assiste. calmo na serenidade da palavra. e serena. eu.

.sent.idos.

.o cheiro do pão sem sal. da cerelac. das flores de tília. do aqua de gio homem. cheiros que transportam. a diferentes realidades. transportam consigo memórias ternas. sempre (ou quase) relacionadas a alguém/ns. sempre. e o automatismo de milésimos de segundos é obra científica sem ciência que explique. mas explica. mas não me interessam as teorias as certezas absolutas do como ou porquês. há experiências que não se explicam. porque se se explicam não se sentem. ou sentimos ou racionalizamos. se racionalizo deixo de sentir. milésimos de segundos que escapam. como areia por entre os dedos ou construções de castelos de areia destruidos por uma onda incauta. reconstruir. resgatar é possivel. mas nunca igual ao que se teve. não penso. mas penso. estou a fazê-lo agora. mas não o fiz. não faço quando a magia do sentir bate à porta. de mansinho. e leva-me a tempos. idos. tatuados na pele. na pele por dentro. não se vê. tatuagens de sentimentos em odores que elevam. memórias. e por momentos esqueço-me. esqueço. e por momentos sorrio. aqueles sorrisos que não se vêem. e deixo de ser eu. a que caminha para os trintas e tais. mais iva. e sou a miúda dos vinte e tantos. quando ele parou no meio da estrada saiu do carro correu até à margem apanhou um ramo de uma das muitas árvores em flor que enalteciam a rua da Gulbenkian (a minha. não a de Lisboa) entra no carro dá-me o ramo beija-me pede-me para cheirar brilho nos olhos é tília. todas estas árvores aqui são tília. não é maravilhoso. este é para ti. tília para ti. eu para ti. sempre. e lembro-me sempre. por onde passe seja norte ou sul ou algures por aí por aqui. nessa mesma rua. noutra qualquer. sei sempre. viajo sempre. quando o odor da tília inunda espaços. o meu. o teu. o de alguém. espaços preenchidos milésimos de segundos. ou sentes ou racionalizas. mas sentes. sempre. inevitavelmente. conexões de velocidades mil. como a velocidade da luz. e quem fala da tília. e de ti. dele. de mim. fala também deles. dos outros. d'aqueloutros. os cheiros. que nos transportam. que transportam consigo partes de nós.

queres ser



- o que é que queres ser quando fores grande?
- professora, patinadora e pianista.
- tanta coisa? e achas que consegues ser isso tudo?
- sim. Quando não der aulas, sou pianista e patinadora, daquelas que se vê na televisão.

.era isto que a pequena I queria ser. era isto que a pequena I acreditava ser o seu futuro. possível. depois cresceu. não teve aulas de patinagem artística. e por um triz ia tendo aulas de piano. teve de música. não tocou. mas sonhava. ainda. mais tarde 'tens que escolher'. escolheu seguir faculdade. claro. mil nove e noventa e cinco era isso que se pensava ser o melhor. e assim foi. disseram-lhe que devia seguir química. foi para o liceu e decidiu seguir biologia. mas à última hora apaixonou-se por psicologia. e seguiu por aí. como as paixões devem ser. seguidas com convicção. 'aquela faculdade tem excelente nome e quase todos os que estudam ali são bem quotados no mercado de emprego'. foi caindo. não a I. mas o nome da dita. já ninguém pedia licenciados pela 'coise'. ainda assim. e depois? depois nada. mas não deveria ser digno seguir-se um caminho por paixão e não porque dá dinheiro? é. é digno. mas não nos sustenta. e depois. depois cresceu. e a sociedade não cresceu com ela. mas agora que é 'grande' já não quer ser professora, patinadora e pianista. mas patina. toca piano. escreve. trabalha em escritório. mas já não aqueles 'do antigamente' que tanto gostava quando ia com a mãe para o 'serviço'. já não. esses não. agora chamam-lhe open spaces. e chamam-lhe 'ambiente de call-center'. backoffices. mas sem offices. e já não se pertence aos 'quadros'. raramente. é-se outsourcing. em nome da evolução e da versatibilidade que se quer. e entretanto sabe-se que a IPSS A fechou. e a B também. e inclusive aquela onde trabalhou. sem sentir que era trabalho. e a menina crescida que achava que secalhar tinha mais perfil para escritório, ficou a saber que o que gostava mesmo. mas mesmo. era trabalho social. minorias. e isso sim. era trabalho sem ser sentido como trabalho. e isso sim. era trabalho que dignifique. mas a menina crescida ficou a saber que tem perfil para escritório. e laboratório. e relacionamento com pessoas. e números. e letras. e perdeu-se no emaranhado de caminhos que se entrelaçaram à sua frente. mas sonha. e fecha os olhos. mas sonha. de olhos bem abertos. agora.

nihil nietzsche sol ou o reverso/inverso/universo



.e houve tempos disto. muito disto. era verão. lembro o cheiro. a areia. as páginas amareladas que virava com cuidado. com aquele cuidado e ternura com que se acarinham livros antigos. sim antigos. Nietzsche requisitado na biblioteca. de bolso. iam comigo para todo o lado. e estendiamo-nos os dois ao sol. em intimidades despercebidas aos trausentes que por ali vagueavam. ecce homo. anticristo. para além do bem e do mal. alguns que me recordo. curioso é não recordar as palavras impressas. apenas recordo a apologia do nihil. a minha. de tempos idos. a dele. e o nada. nem uma citação única para memória póstuma. e não o reconheço. não os traços. reconheço. o. como névoa de antigas amizades que ficam após os anos. apenas. e só isso. e zaratustra. ah zaratustra lido no primeiro ano da faculdade para a cadeira de antropologia social (que se pode traduzir meramente e tão somente como uma extensão de filosofia do 12° ano. cujo nome pós-Bolonha - modernices - desconheço). 

.e como tento resgatar os traços daquele rosto sem rosto de palavras impressas que tanto me acompanharam em. 2007 julgo. não recordo. nada. apenas o nada. e não será esse marco maior de que Nietzsche coexiste em nós? será. talvez. certezas não tenho. dúvidas tantas. desnecessárias respostas quando não se procura nada. procura. tudo. resgatar velhas essências e cheiros que nos relembram o essencial. 

p.s. (ou nota de autor como quiserem) ainda assim é dos tais que não (ainda não) tive vontade de a ele regressar. é um ex acarinhado. que se mantém em mim. vivo. p'la vidinha 'afora'.

São duas da manhã enquanto te julgo a dormir

Só mais 2 meses e regresso por uns tempos. Mas vou andar nisto pelo menos 1 ano para juntar dinheiro e poder voltar dar-lhe uma vida melhor. Mas agora vou andar assim, preciso disto. Sei que não te posso pedir que me esperes. Não é justo. Uma coisa é um casal que decide junto que um deles vai para fora uns tempos trabalhar e o outro aceita porque é um projecto para os dois. Mas nós é diferente. Não te posso pedir isso. Sei que não és mulher para uma relação assim. Não te chega. Não queres. Não era isto que querias. Por isso é que quando me ligaram para vir ainda fiquei de pensar. Por causa de ti. Mas era a minha vida. Sabia que isto nos iria afastar. Logo na altura em que éramos para estar juntos. Pouca sorte a minha. Mas teve de ser. Faz a tua vida normal, não te prendas a mim, não te posso pedir que me esperes mas gostava que esperasses. Assim que regressar em vez de ir para cima vou para baixo ter contigo. Preciso de ti.

Vê esta música. Dei com ela outro dia e lembrei-me de ti. Vê ouve sente.

Do outro lado a música começou a tocar descoordenada, estonteante, hipnótica perturbadora. Powder de Parov Stelar. Alguém caminhava numa praia. Close up dos pés areia ondas do mar. A solidão de quem ama quem não pode ter. A tua cara do outro lado comovida olhos cabisbaixos a olhar o vídeo lacrimejantes. Eu deste lado a conter conter-me conter não chores não chores. Uma lágrima sacana a escorrer face abaixo. Não viste. Parou a música. Pediste espera tenho que ouvir de novo. A mesma intensidade as mesmas notas a mesma solidão a mesma tristeza de ter um corpo o teu corpo do lado de lá e não o ter não te ter não te poder abraçar tocar nada. Eu amo.

Despedimos-nos novamente com o amargo doce azedo outra vez várias vezes.

(corria 2011. inicio. e a esperança que se esvaiu com ele. o ano.)


tele.móvel.



.já há uns dias que observo (atentamente) um individuo sempre à mesma hora a palmilhar metros e metros de terreno enquanto fala animadamente ao telefone. penso. há 'gente' que leva muito a sério o significado da denominação das 'coisas'. este leva o seu móvel a peito. numa área restrita. passerele de empedrado. desfila. olha-me. sorri. dá mais uma voltinha. sorri. hoje sorri-lhe. passear faz bem. ainda mais em (boa) companhia. pensei. eu cá preferia levar o meu móvel a conversar para os lados das Maldivas, ilha do Sal, Paris, Caraíbas. gostos. e esses já repetia o povo em tempos idos. não se discutem.

humanidade(s) em cima da mesa




Vivo sempre no presente.
O futuro, não o conheço.
O passado não o tenho.
Fernando Pessoa 
(in livro do desassossego)


.se as pessoas perdessem a memória lembranças do ido sido do quem do onde e vissem tudo pela primeira vez. novamente pela primeira vez. isentas de pré-concepções pré cenas. recuperariam o brilho inocente no olhar de quem ama e anda espantado de encantamento pela vida. se o esquecimento. se verdadeiramente existisse. se. tal como hoje vi quem não me reconheceu agir com simpatia vi. um olhar novo renovado. sem ódios sem. limpo. límpido. frágil e forte na essência. amor. humanidade. vi. hoje pensei. talvez haja salvação. se esquecermos. nos esquecermos por momentos. tudo é. nada foi. hoje.

mutações musicais



.há artistas que nos mudam. ou mudamos nós os artistas. a forma como se ouve. quem. quem ouve. por quem. por quem ouvimos. palavras não ditas antes de serem ditas e invernos abaixo de zero irrelevantes quando o coração arde. foi assim finais de 2010. há artistas que nos mudam mas não mudam. fazem-nos acreditar re-acreditar no amor. sim era amor. aquele que na ausência de um corpo existe sem corpo a existir dentro de nós. nos gestos. tatuado na pele o cheiro e a voz o tom. da voz. do David digo. e ele ria. intermináveis conversas de corações que ardem. há artistas que mudam. mudam em nós. primeiro encantamento a ser descrença desmistificado. depois paixão. transbordante. e por fim amor. mas sem a serenidade dos amores dos clássicos esquecidos em prateleiras a enfeitar estantes de culturas que não se dizem. dizem mas não se vivem. enfeitam. e ali ficam. mas há artistas que marcam. pessoas. momentos que se vivem. e há aqueles que marcam vidas. passam a fazer parte de nós (depois das náuseas dos desencontros). e há ainda os que nos mudam. mudam a forma de olharmos o belo. e a vida. bela.

Os apeadeiros são de partir não de ficar

Cumplicidades amores ao toque toques de pele na pele a fundir paixões. Estrada mais estrada e luzes a rasgar a noite impassíveis à nossa passagem e o frio a gelar os ossos de coração a escaldar de febre descontrolada a controlar rumos de navios abandonados à deriva cá dentro. Ternuras a saltar pelas têmporas a serem contidas retidas distantes à força sem sucesso tão perto demasiadamente perto explodem em palavras abafadas ao som inesperado de Mão Morta – Novelos da Paixão a suster suster-nos a descambar derreter para ficar ficarmos pararmos o tempo ali parar eternidades. Tenho que ir. Olhas-me. Dá-me um abraço. Tenho de ir. O tempo parou parou parou suspiros morreram morreram ali em nós sem respirar na força na intensidade na alegria no fulgor do momento que não estávamos a acreditar não acredito não pode ser isto não está a acontecer. Se pudesse ter-te-ia dissolvido no meu corpo ficar contigo ou tu comigo assim um só a serem dois. Não é justo ir embora partir para não voltar virar as costas para não chorar perder as peças de nós nos passos da noite daquela noite um último olhar virar as costas sair conter conter parar. Respira segue não olhes para trás adeus A adeus seguir M voar a não sentir O chão fechar a porta subir escadas fechar T a porta ainda aí estás vontade de voltar abrir a porta descer a correr as escadas abrir a porta correr para ti voltar aos teus braços esquecer o mundo E aos teus abraços esquecer que existimos um sem o outro guardar guardar-te fechar a porta.
Fui-me deitar.
Não sei se dormi se sonhei se acordei se fechei sequer os olhos ao som da tua voz. Ficámos abraçados assim aquecidos suspensos nas horas que pararam no tempo que não existe. Existe.
Acordámos?