.odes do séc. XXI




.ultimamente cada vez mais tenho visto artigos e afins que são nada mais nada menos que odes da solidão, odes do solteirismo (se é que a palavra existe de todo). qual é a necessidade? confortar quem o é, por opção ou escolha? inevitavelmente aquele tipo de textos deixa-me com um travo amargo. honestamente a dita felicidade não passa por estar sozinho ou acompanhado. estar solteiro não é melhor que estar compromissado (outra que lexicamente não deve existir). estar com alguém, em compromisso ou não, não é necessariamente melhor que estar solteiro. desde sempre ouvi dizer-se - banalidades do senso-comum - que o equilíbrio é sempre a melhor opção. equilíbrio não é o assim assim, o mais ou menos ou nem sequer o mediano. é bom estar sozinho. é bom ter alguém. e é isto. uma sem sufocar a outra. o outro sem sufocar isto. ou aquilo. no meu tempo (frase tão bonita) não se afundavam em temas destes, sabia-se que existiam solteiros novos, velhos e assim assim, pessoas solitárias, pessoas populares sempre rodeadas de amigos. e pessoas dentre todas essas que punham fim à sua vida. e sabia-se que a tristeza de uns não era homogénea com a de outros. e que as alegrias dos outros nem sempre eram as nossas. e que a vida se fazia. sem chafurdar na vida de cada um. e a vida fazia-se de uma forma equilibrada, sem necessidade de apologismos ou odes ou de gritar aos sete céus que isto é melhor que aquilo. e sabia-se no entanto o certo. o errado. e fazia-se (ou tentava-se) o certo. com os outros. para os outros. connosco próprios. sozinho. com um amigo. dois três. acompanhado. com um dois três. e não eram eleitos nem odes disto daquilo daqueloutro. apenas era. assim. era-se. e aceitava-se. neste século XXI assiste-se a autênticos spams de odes. o século da ode. é este. e agora vou ali beber um chocolate quente enrolada na manta com um livro ao colo em frente à lareira com chet baker de fundo. e digo-o só porque parece bem, é coisa de gente erudita e que muitos também elevam a ode. e grito aos sete céus. assim em jeito de confissão. escrevo isto sozinha. há pouco falei com y. há umas horas fui beber café com X. e agora quero estar apenas comigo. mas também estive contigo. e pensei em estar com ele. mas amanhã. amanhã também é dia. agora vou. no silêncio das palavras. de instrumentais a aquecer a sala. saborear a noite. sem odes. nem pílulas do esquecimento. nem aditivos. amanhã será igual. com. sem. porque o que mais importa é o equilíbrio.