.das (pequenas) coisas.




.e quando o negrume ameaça infiltrar-se nos ossos, há algo que subitamente nos lembra da existência de cor.

.da fome literária.

Moi-même, la mort

No mais, o mundo é sem retorno.
Mas manifestamente
não queria saber.
Já tinha protestado, já tinham respondido, já tinha
contestado as objecções.
Via-se a si própria
do lado errado da saúde pública. Nem corpo, nem alma
lhe davam garantias de robustez. Sentia o coração,
algures, disperso pela pele,
e di-lo-ia dotado de movimentos intermitentes.
Media os tempos, interrompidos,
e entre um e outro
parecia apagar-se como uma luz perante um foco mais forte.
Preferia desligá-las.
Subia o estore e ficava à janela a adivinhar ao longe
a massa húmida do hospital. Já desistira
de correr para as urgências.
Tinha aprendido a medir os passos.
Desde há dois anos que avançava só o suficiente
para poder recuar sem cair.
Não o lamentava.

 (D’ailleurs, depuis longtemps, elle ne se croyait plus
 l’enfant perdue de Marcel Duchamp.)

Madalena de Castro Campos

(retirado daqui)


.da glicémia.

.quando percebes que afinal é fome:
 (e não mau feitio,  brutalidade e frio)


.do essencial.




.há um sol que nasce todos os dias. mesmo em dias de nevoeiro a constranger olhares. mesmo que as nuvens no horizonte o escondam. há um sol que nasce todos os dias. e deveria ser para todos. na verdade é. mas deveria ser apreciado por todos. há um sol que não são vários mas um. uno. assim como a vida. uma. a de cada um. assim como o propósito de aqui estar. porque o sol vai nascer todos os dias. mas um dia já não o veremos. e há uma família que nos espera. e amigos que nos acarinham. e um amor múltiplo por tudo que nos abraça. e há dias e dias que corremos. e corremos. temos pressa de ser ter querer. a luz fere a vista. camuflagens com que nos vestimos. quando há espera. à espera. há um sol que nasce todos os dias. e o que não podemos comprar. espera. nos. todos os dias. para ser. sermos. a rasgar o nevoeiro e o negrume dos dias. em tempestuosas ambições matam corações que batem em compassos de espera.



.laughing heart.




your life is your life
don't let it be clubbed into dank submission.
be on the watch.
there are ways out.
there is a light somewhere.
it may not be much light but
it beats the darkness.
be on the watch.
the gods will offer you chances.
know them.
take them.
you can't beat death but
you can beat death in life, sometimes.
and the more often you learn to do it,
the more light there will be.
your life is your life.
know it while you have it.
you are marvelous
the gods wait to delight
in you.

C. Bukowski

.tempo.




"Um hálito de música ou de sonho, qualquer coisa que faça quase sentir (...)" 
F. Pessoa in Livro do Desassossego

.da velocidade.




.vivi demasiado demasiado cedo e talvez por ser demasiado. cedo. não foi o que seria se agora. mais tarde. fosse. e por isso esta espécie de terceira idade precoce. como se. a vida já tivesse sido e se goza agora memórias. no mesmo instante em que outros vivem o que foi em mim demasiado cedo. na antecedência impulsiva ânsia de ser. viver. e na pressa do que foi o caminho turvou-se na névoa da velocidade. gozada. sem sinalética que se respeite. para-se na passadeira para os outros passarem. calmamente. e brinco com o acelerador mimética de brincadeira a apressar terceiros. e sorrio. à espera. que o semáforo retorne a verde.