.revisitações.

"É urgente elevar a pessoa à posição do espanto. É daí que se abre o mundo. Qualquer coisa possui em si o mistério de tudo e a nossa distância vai daqui para ali, e volta. Há uma frase por escrever da qual esqueci as palavras e a gramática. Uma frase que junte coisas separadas, as nuvens e as suas sombras, animais fabulosos a sensíveis plantas, breves recados a fatais desenlaces. Uma frase é um laço apertado por um verbo. Eu conjugo verbos como quem se encontra diante de um precipício. É a morte por todo o lado espelhada que me faz escrever a frase. Entretanto deparo diante de mim com uma parede falsa. Os meus olhos escondem tudo o que descobrem por detrás dela. Uma parede não basta para fazer uma casa. Uma casa é uma concha. Uma concha é uma casa. Uma concha abre-se como uma porta. Uma porta que conduz de uma prisão a outra. Há uma prisão inexpugnável. Eu nunca serei tu. Deve ser esta a frase que pedia para ser escrita aguardando pacientemente. Mas quem saberá a verdade se o que nos aproxima é o que nos mantém afastados? Em primeiro lugar o geométrico espaço, em segundo o tempo que nunca se atrasa. É assim, sempre assim. Prosseguimos de segredo em segredo as mãos atadas à cabeça. Foi sempre assim estar aqui, nesta existência extrema."

Pedro Paixão