queres ser



- o que é que queres ser quando fores grande?
- professora, patinadora e pianista.
- tanta coisa? e achas que consegues ser isso tudo?
- sim. Quando não der aulas, sou pianista e patinadora, daquelas que se vê na televisão.

.era isto que a pequena I queria ser. era isto que a pequena I acreditava ser o seu futuro. possível. depois cresceu. não teve aulas de patinagem artística. e por um triz ia tendo aulas de piano. teve de música. não tocou. mas sonhava. ainda. mais tarde 'tens que escolher'. escolheu seguir faculdade. claro. mil nove e noventa e cinco era isso que se pensava ser o melhor. e assim foi. disseram-lhe que devia seguir química. foi para o liceu e decidiu seguir biologia. mas à última hora apaixonou-se por psicologia. e seguiu por aí. como as paixões devem ser. seguidas com convicção. 'aquela faculdade tem excelente nome e quase todos os que estudam ali são bem quotados no mercado de emprego'. foi caindo. não a I. mas o nome da dita. já ninguém pedia licenciados pela 'coise'. ainda assim. e depois? depois nada. mas não deveria ser digno seguir-se um caminho por paixão e não porque dá dinheiro? é. é digno. mas não nos sustenta. e depois. depois cresceu. e a sociedade não cresceu com ela. mas agora que é 'grande' já não quer ser professora, patinadora e pianista. mas patina. toca piano. escreve. trabalha em escritório. mas já não aqueles 'do antigamente' que tanto gostava quando ia com a mãe para o 'serviço'. já não. esses não. agora chamam-lhe open spaces. e chamam-lhe 'ambiente de call-center'. backoffices. mas sem offices. e já não se pertence aos 'quadros'. raramente. é-se outsourcing. em nome da evolução e da versatibilidade que se quer. e entretanto sabe-se que a IPSS A fechou. e a B também. e inclusive aquela onde trabalhou. sem sentir que era trabalho. e a menina crescida que achava que secalhar tinha mais perfil para escritório, ficou a saber que o que gostava mesmo. mas mesmo. era trabalho social. minorias. e isso sim. era trabalho sem ser sentido como trabalho. e isso sim. era trabalho que dignifique. mas a menina crescida ficou a saber que tem perfil para escritório. e laboratório. e relacionamento com pessoas. e números. e letras. e perdeu-se no emaranhado de caminhos que se entrelaçaram à sua frente. mas sonha. e fecha os olhos. mas sonha. de olhos bem abertos. agora.